quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Álvaro, o Nero II da Trafaria



Na madrugada de 24 de Janeiro de 1777, a Trafaria foi vítima de um dos actos mais bárbaros e pouco conhecidos da História de Portugal: cumprindo ordens do Marquês de Pombal, o intendente Pina Manique juntou 300 soldados, atravessou o Tejo e incendiou a Trafaria.

Viviam aqui cerca de cinco mil pessoas, sobretudo pescadores pobres, acusados de albergar umas centenas de jovens em fuga de um recrutamento militar rápido e em força para fazer face à ameaça de invasão espanhola.

Manique cumpriu à risca a missão que o primeiro-ministro de D. José I o incumbira. Muita gente morreu, o território foi reduzido a cinzas e os refractários que escaparam obrigados a ingressar nas fileiras militares. O acontecimento mais marcante desta localidade valeu a Sebastião José de Carvalho e Melo o título de "Nero da Trafaria", dado por Camilo Castelo Branco em "Perfil do Marquês de Pombal".

2013, Fevereiro: de supetão, esquecendo a austeridade e o discurso contra as obras faraónicas, o Governo saca de um velho projecto e faz um "show off" que em tudo fez lembrar Sócrates. Com o ministro Álvaro a comandar as tropas, anunciou-se um novo terminal de contentores na Trafaria e mais uns quantos empreendimentos para as duas margens do Tejo. E assim reincendiou os ânimos do lado de lá, mesmo junto do PSD local.

Um pacote devidamente laçado por um número bonito: mais de mil milhões de euros. Então projecta-se um novo terminal de contentores para a margem sul quando a maior parte da carga contentorizada dirige-se a Norte? Em que dados se baseiam para sustentar o projecto? E como vão ultrapassar os problemas críticos em termos ambientais e de acessibilidades? E como vão acabar com quatro dos cinco terminais na capital, cujas concessões só terminam em 2020, 2021 ou mesmo 2025? Vão pagar indemnizações e desafectar o pessoal? Há ainda o problema do contrato com a Liscont, que acaba em 2042 e está no Tribunal Constitucional.

E então o terminal da Trafaria colocará Lisboa como 15.º porto da Europa em carga movimentada? Como se ter capacidade fosse igual a movimentar, e que o mundo portuário parasse à espera da sua entrada em operação! Se se quer fazer um novo terminal do lado de lá, então, porque não, em Setúbal, que tem espaço e um cais já prontinho? Até calhava bem, pois fala-se da gestão conjunta dos dois portos. Como os governantes que agora fazem "show" não vão estar em funções quando, e se, o projecto avançar, dediquem-se, por agora, a nomear os novos dirigentes das administrações portuárias, a optimizar os portos e a impedir a repetição do crime económico que se cometeu no porto de Lisboa. E a conversa de que 80% do investimento será suportado por investidores privados não vale a ponta de um chavo. "Portugal Logístico", onde estás tu?


*Coordenador do Negócios Porto

Visto por dentro é um espaço de opinião de jornalistas do Negócios

Fonte: Jornal de Negócios- Veja o artigo aqui

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Novo porto da Trafaria: o pior do novo-riquismo


Álvaro Santos Pereira 
anunciou que o porto de contentores de Lisboa será transferido para a Trafaria. Esta transferência implica uma intervenção na margem sul do Tejo com um brutal impacto ambiental (podemos mesmo falar de um crime ambiental de enormes proporções) e urbanístico, que poderá mesmo ter repercussões nas praias da Costa da Caparica, um importantíssimo ativo para o turismo na região metropolitana de Lisboa.

Não por acaso, parece existir um absoluto consenso no concelho de Almada contra este projeto. E não deixa de ser curioso que o governo que avança com este projeto megalómano seja o mesmo que pôs em banho maria a requalificação planeada para a Costa da Caparica, um dos mais desaproveitados potenciais turísticos do País.
Este projeto obrigará à construção de uma linha ferroviária para dar àquele porto o papel de entrada e saída da Europa, para o qual Sines tem muito melhores condições. O novo porto terá sempre limitações em comparação com o de Sines. O Canal do Panamá terá, em 2014, um calado de 18,3 metros, passando a ser navegável pelos post-Panamax. Uma navegabilidade impossível de conseguir na barra sul do Tejo sem um investimento exorbitante, tendo em conta as características do subsolo. Problema que não existe nem existirá para Sines.
Porto de Lisboa, mais do que o de Sines (adequado para o transshipment), tem um papel fundamental nas exportações e importações. E a origem e destino nacionais das mercadorias (incluindo nos destinos as regiões autónomas) está concentrada a norte do Tejo. Ou seja, a passagem do porto para a margem Sul aumentará os custos de transporte para toda a região que vai de Lisboa a Leiria, aquela para a qual a sua atividade tem maior importância. Sem esquecer que os parques de segunda linha de apoio ao porto de Lisboa estão na Bobadela.Tendo em conta a situação económica do País, é um mistério porque raio se vão gastar mil milhões de euros naquilo que muito provavelmente se transformará em mais um elefante branco. A prioridade deveria continuar a ser dar ao porto de Sines todas as capacidades para se tornar num porto competitivo no plano europeu e modernizar o porto de Lisboa para cumprir as suas atuais funções.António Costa aplaudiu esta decisão. A lógica, tal a como a do ministro da Economia, é a de libertar toda a zona ribeirinha da cidade e assim potenciar o turismo. Permitem-me que discorde. Continuando a reabilitar a cidade e a apoiar as infraestruturas de apoio ao turismo, assim como reabilitando as imensas zonas ribeirinhas já libertas pela atividade portuária, Lisboa já tem tudo para ser um dos principais destinos turísticos da Europa. Mas nenhuma capital pode e ou deve ser apenas um cartão postal.

Deve diversificar as suas atividades económicas. Deve ter cultura, turismo, serviços, comércio, indústria não poluente e, como qualquer grande cidade costeira, deve ter atividade portuária. Uma cidade não é um museu. Tem de gerar riqueza para além da que o turismo garante. Não pode pôr todos os ovos no mesmo cesto
.

A atividade portuária de Lisboa e as que dela dependem empregam cerca de 140 mil pessoas e representam 5% do PIB regional. Uma capital não se pode dar ao luxo de desprezar isto.
A substituição da atividade portuária atual por um novo terminal de cruzeiros faz pouco sentido. Os cruzeiros, apesar de potenciarem o turismo, trazem menos dinheiro em pagamentos de Taxa de Uso Portuário (TUP) do que qualquer outro utilizador e ainda menos dinheiro fazem entrar na cidade: são os turistas que, por já terem toda a oferta hoteleira garantida, menos dinheiro gastam nos seus destinos turísticos. Uns cafés, mas lembranças e pouco mais. Perder um porto para ganhar cruzeiros é um péssimo negócio.
Pelo contrário, a
aposta na requalificação da Costa da Caparica e da zona ribeirinha sul do Tejo é fundamental para a diversificação da oferta turística na região. Não se pode pensar o turismo em Lisboa com cada um a olhar para a sua capelinha - e, já agora, não se pode continuar a massacrar as populações da margem sul com sucessivos atentados ao ambiente. O turismo é regional e Lisboa tem, desse ponto de vista, tudo para oferecer: lazer, cultura, património, zonas rurais, um estuário de rio de um valor ambiental inestimável e duas costas de praia extraordinárias. Não se pode destruir parte destas valência para transformar a zona ribeirinha de Lisboa numa enorme esplanada (a monofuncionalidade é a pior opção para qualquer intervenção urbanística). A ideia de transformar Lisboa num cartão postal sem outras atividades económicas e a margem sul numa zona ambientalmente desqualificada é irracional e promove o desequilíbrio na região metropolitana.

Um desequilíbrio pelo qual todos, lisboetas e almadenses, pagaremos.
Percebo que muitos lisboetas tenham pouca simpatia estética por contentores. Mas uma cidade não é apenas as suas vistas (e, para quem não se lembre, a Trafaria é o que se vê da zona ociedental de Lisboa) nem acaba nos seus limites administrativos. É um centro de uma região económica. Os contentores estão longe de perturbar a extraordinária beleza da cidade, cumprem uma função que dificilmente será garantida pela Trafaria (que nunca poderá competir com Sines).

Este projeto é digno do pior novo-riquismo que durante décadas ajudou a enterrar este país.
Felizmente, a inconsequência é uma das características do ministro da Economia. Esperemos que assim continue.

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Terminal de Contentores da Trafaria: Um Frete aos Lobis do Aço

O fecho da Golada e o terminal da contentores da Trafaria teriam efeitos mais dramáticos na paisagem do Tejo do que o mostrenguinho da Silopor (em segundo plano, à direita)

Sexta-feira passada, o Ministro da Economia apresentou um projeto de um terminal  de contentores na Trafaria, inserido no plano da Administração do Porto de Lisboa.  O Sr. Ministro não apresentou nenhum estudo económico justificando esse investimento.

Nem apresentou, nem podia apresentar, pois não existe esse estudo. O terminal de contentores de Lisboa continua a ter capacidade não aproveitada. Os portos de Setúbal e Sines também.  Um terminal na Trafaria obrigaria a obras faraónicas, não só marítimas mas ferroviárias, para desencravar esse portinho.
Com efeito, um tal  terminal exigiria fecho da Golada do Tejo. A golada é uma ligação terrestre entre a Trafaria e o Bugio, que outrora era transitável apenas na baixa-mar. O  projeto do fecho da Golada foi chumbado pelo Ministério do Ambiente em 1992.

Ainda que o fecho da golada fosse admissível, o investimento não teria a menor justificação económica. O mais extraordinário é que o terminal da Trafaria foi  afastado pelo ministro do Mar, comandante Eduardo Azevedo Soares, durante um governo do Psd, há uns vinte anos.
O Economista Português lamenta que o Doutor Álvaro Santos Pereira tenha emprestado o seu nome a este projeto, que apenas interessa a lóbis. Como é possível autorizar um investimento, para mais desta monta, sem um estudo de custos e benefícios? O leitor sabe como é possível. Ou é possível devido apenas ao desespero para apresentar obra a fazer por parte de um governo dia a dia mais desnorteado?
É também lamentável que o governo se prepare para proibir a operação portuária em Lisboa a montante de Alcântara. É proibir a criação de riqueza a troco de nada – exceto talvez a troco de mais especulação imobiliária, para o suposto aproveitamento dos terrenos assim libertados e  esmagando mais ainda o valor da propriedade em Lisboa.
Fonte: oeconomistaport.wordpress.com- Leia a notícia aqui